Poucos cinéfilos, daqueles com todas as letras, poderão orgulhar-se de ter visto primeiro O Apartamento errado. Perdão, errado não. O menos adequado e pomposo, se quisermos. Há uns anos, numa conversa sobre traduções de títulos, fiquei a saber que uma das razões para tão mirabolantes conversões prende-se com a impossibilidade (teórica) de existirem dois filmes com o mesmo nome. Num outro espaço, já tive oportunidade de afirmar que discordo, sempre serenamente, da política vigente na tradução de títulos. Cada vez mais gostava de ver o nome de origem e, apenas o nome de origem. Não havia cá, como se costuma dizer, pão para malucos – seguindo a linha do post sobre translações, bread for crazy people. É que, parecendo que não, isto confunde. Um dia estamos com paninhos quentes, porque, sim senhor, era preciso dar a volta ao título. No dia seguinte, vamos à Fnac e encontramos duas obras com o nome O Pianista. Ora, depois disto, é difícil desculpar algumas atrocidades cometidas ao longo dos tempos. Se O Pianista e O Vigilante passam, caramba, porquê inventar em tanta coisa simples que por aí passou? Enfim, este não é o post do desafogo e convém, quanto antes, alterar o sentido do texto.
Agora, ao mesmo tempo que este não é o post do desabafo, também não será o post que O Apartamento (1960) de Billy Wilder merece. Apesar das suas menores virtudes, também não será o texto mais justo para O Apartamento (2004) de Paul McGuigan. Aliás, bem vistas coisas, não sei bem que tipo de post está a nascer aqui. Valerá a pena comparar estas duas obras, simplesmente porque têm o mesmo nome? Talvez não. Será necessário partir de uma obra inferior para enaltecer a imponência do clássico de Wilder? Só o pensamento, por si só, é ofensivo. No entanto, o recente visionamento desta obra-prima de um dos mestres da Idade de Ouro, deixou visíveis marcas. Da mesma maneira que, se hoje formos a correr pela rua abaixo, e nos estatelarmos no meio do chão ao tropeçar numa pedra, não começamos a chorar, não será tão normal, com o passar dos anos, que certos filmes continuem a golpear-nos tão profundamente. Aqueles que carregamos para a vida, são os que vimos no inicio. A tendência é para repetir emoções e cairmos na sensaboria de não encontrar nada de novo – lado pessimista da moeda. Contudo, a verdade é que existe sempre um espaço por explorar, sobretudo se começámos pelos títulos engatados. Certamente que hoje este post não seria escrito se tivesse visto a obra de Wilder há quatro anos, e só esta semana o drama de Paul McGuigan. Felizmente, quis o destino que fosse ao contrário. E, por muitos outros filmes que já foram vistos, que copiaram aqui e ali alguma coisa de O Apartamento, no final, a comoção não foi semelhante à provocada por qualquer outro título. Nenhuma gargalhada, nenhum engolir em seco, nenhum olhar atento, nenhum aceno. Do princípio ao fim, O Apartamento foi o desvendar de toda uma nova maneira de fazer Cinema. Já devia sabê-lo, ou não fosse este o filme preferido de Cameron Crowe. Daqui por uns tempos, regressarei a este espaço para falar como deve ser deste filme. Para tentar pôr em palavras aquilo que hoje apenas consigo balbuciar e gaguejar. No entanto, antes de passarmos ao post seguinte, é preciso falar daquele fio de esparguete. Os especialistas em goofs dizem que, passada uma semana, um fio de esparguete não pode continuar macio. Que a dureza tomaria conta dele. Que se danem os goofs. Se assim fosse, aquele fio de esparguete na raquete de C. C. Baxter (Jack Lemmon) jamais poderia ser pegado daquela forma. E, a cena em que Baxter pega e olha para o fio de esparguete, é, a todos os níveis, do mais enternecedor que alguma vez se fez. Este é o lado optimista da moeda.
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