Já tive oportunidade de manifestar em outros espaços, como o Deuxieme, o interesse que tenho de chegar com tempo ao assento que me está destinado na sala de cinema. Poder, com calma, ver os espectadores que vão ocupando os lugares vazios. É todo um ritual de cusquice que tenho procurado manter ao longo dos anos. No entanto, seja feita aqui a ressalva de que não se tratam de juízos de valor baseados em preconceitos ou estereótipos, mas o apurar de dados objectivos como a idade, sexo, por aí adiante. Sempre tive curiosidade de saber que pessoas compõem a audiência de que faço parte. Este fim-de-semana, o visionamento de Speed Racer não foi excepção. No entanto, com algumas variantes.
A sessão estava marcada para as 21:15. A chegada às bilheteiras deu-se por volta das 21:13. Com dois minutos para o inicio do filme, perdão, dos trailers, achei que a sala já estaria mais para o cheia, o que dificultaria a avaliação dos presentes. Contudo, ainda antes de chegar ao balcão, quando olho para o televisor para ver a disponibilidade, verifico que 97% das cadeiras estavam ainda por ocupar. A dois minutos do inicio do filme, desculpem, dos trailers, estaria aquela informação correcta? Logo a seguir, na lista, vinha a sessão de Houdini – O Último Grande Mágico, marcada para as 21:40. Para este, já só restava 56% da sala. Aquilo era demasiado estranho. Então não tinha valido a pena correr? Cheguei a pensar que os 97% eram já a disponibilidade para a sessão da meia-noite. Deve ser isso, disse para com os meus botões. É certo que este é também o fim-de-semana de estreia de Houdini, mas, caramba, estávamos a falar de Speed Racer. A dois minutos do apagar das luzes, como é que apenas 3% dos assentos estavam preenchidos? A caminho da sala convenci-me de que esta estaria mesmo a abarrotar, uma bandalheira pegada, com pipocas a voar em todas as direcções – esperem, normalmente, isto é o que não se quer –, e que esta seria uma retumbante estreia. Antes de entrar, confirmo os lugares no maior espaço daquele multiplex: 491. Parece que nem a gerência do Cascais Shopping esperava esta recepção. É que, ao entrar, constato que apenas quatro pessoas estavam na sala. Até ao inicio do filme, chegariam mais dezanove. Ao todo, eram 23 cabeças. Com mais de dezoito anos deviam estar uns quinze. O mais pequeno dos espectadores, mesmo à minha frente, precisava daquela cadeirinha especial para ficar mais alto. Era o irmão, com os seus 7-8 anos, que lhe enchia o copo de água. Hoje, continuo sem saber se o petiz foi capaz de ler todas aquelas legendas. No fundo, era uma sala onde, pode-se dizer, se ouvia o zumbir de uma mosca, se ela por lá andasse a passear. A audiência, tirando um ou outro, eram pais, padrinhos, tios ou tipos com o azar do caraças, que não tinham conseguido resistir às investidas dos mais novos. Poucas vezes a plateia fugiu tanto ao esperado como neste caso. Mas, até foi engraçado. O mais assustador mesmo, foi pensar que tinha as mesmas motivações para estar ali que os dois pequenos à minha frente… E, não é que se calhar até tinha? Porém, havia que olhar para a tela. Dali é que sairia o que realmente interessava.
E, interessou, e muito. Valeu a pena o risco. Sim, porque assistir a Speed Racer não se faz com a mesma ligeireza com que se decide ver o último filme de Scorsese. O apelido Wachowski já não é tão apelativo como era em 1999. Emile Hirsch, apesar de boas indicações, ainda não dá garantias. John Goodman e Susan Sarandon, como secundários, já meteram, aqui e ali, o pé na poça. E, depois, todas aquelas cores. Todas aquelas cores, caneco. Chega-se a recear que algo fira a vista. Aquelas transições de planos abruptas. Todos aqueles penteados anime. Aquele estilo vintage num filme futurista. Aquela fórmula clássica do Só sei fazer isto, e tenho de fazer alguma coisa. Irónico como tudo funciona.
Antes de Speed Racer chegar às salas, era unânime a opinião de que este seria daqueles que receberia opiniões divergentes até mais não. Que, ou seria adorado, ou odiado. Sem meios termos. Depois de ver este filme, arrisco dizer que não será bem assim. É possível achar que esta é uma obra insonsa. No entanto, não foi essa a sensação no final do filme. Este caiu mesmo no goto. Encheu as medidas, transbordou de acção, prendeu à cadeira, e todos esses chavões que utilizamos para dizer, simplesmente, que gostámos do raio da obra. Agora, convém não ser ingénuo. Apesar de gostarmos, deveremos ter noção de que este não deve ser recomendado, e perceber que é relativamente fácil o espectador não aderir à visão tresloucada, e até certo ponto simplista, dos irmãos Wachowski. Por isso, em vez do reclame Sim senhor, vão em frente! Não tenham medo, este é bom, preferimos deixar o alerta. Este é daqueles que só vale a pena ver, naqueles dias em que temos a certeza de que deixamos sair a criança que há nós. Mas, aquela criança mesmo pequena. Até pode ser que não o aplaudamos entusiasticamente. No entanto, certamente que sairemos satisfeitos.
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