Num daqueles zappings infrutíferos que nunca dão em nada, pois sabemos que desligaremos sempre a televisão num espaço de dois minutos, independentemente do que esteja a dar, passei ontem à noite por A Cidade dos Anjos (Brad Siberling, 1998), na RTP1. O adiantado das horas impedia grandes esticanços. No entanto, aquela vontade maliciosa de rever um guilty pleasure falou mais alto. Os dois minutos transformaram-se em cinco. De cinco passaram a dez. Os dez numa parte. Acabei por ir deitar-me quando faltava um quarto de hora para o final. O peso na consciência é uma coisa terrível.
Contudo, foi bom ter revisto o remake de As Asas do Desejo (Wim Wenders, 1987). Quanto mais não seja, por ter conseguido finalmente identificar as falhas no sistema interno que fazem com que goste deste filme, apesar de todas as suas insuficiências latentes. Primeiro, a banda sonora. Do mais lamechas que se fez no final dos nineties, mas um lamechas harmonioso que vale a pena. Daquele que sabe bem ouvir, pelo menos, de dez em dez anos. Excepto a dos U2, a de Sarah McLachlan, a dos Goo Goo Dolls, a de Peter Gabriel, a de Alanis Morissette, e todas as de Gabriel Yared. Essas, podemos ouvir mais vezes, que ninguém leva a mal. Em seguida, Meg Ryan. Mesmo em piloto automático, aquele sorriso infeliz é infalível. Porventura, o último filme a encaixar no perfil de namoradinha da América. Uma Meg Ryan que aceitava as vicissitudes das suas escolhas profissionais. Ninguém levava a mal as comédias românticas intervaladas apenas por dramas que roçavam o telefilme. Ao mesmo tempo, Nicolas Cage. Ainda está para vir o filme em que Nicolas Cage deixa o seu trabalho a meio. A história pode ser a mais intragável, que Nicolas Cage trata de dar-lhe uma volta. Aqui, o problema é a expressão facial. Quase sempre a mesma. No entanto, que isso não nos impeça de ver que muito bom actor seria incapaz de transmitir estas emoções, quanto mais só transmitir estas emoções. Por último, Andre Braugher. Andre Braugher é o típico actor do Caramba, como é que este tipo não foi mais longe? Braugher respira arte e engenho por todos os poros. Depois, tem aquele ar simples de quem cai no set de rodagem quase por acaso, e não sabe bem o que está ali a fazer. Não sabe bem, o caraças. Imaginando, por uns momentos, que seria professor num qualquer curso de representação – aí está, o delírio do dia –, a primeira recomendação aos meus discípulos seria Meus senhores, façam favor de pegar na série Departamento de Homicídios, ver as sete temporadas a eito, e estejam atentos àquele que diz ser o detective Frank Pembleton. Depois disso, as aulas seriam passadas a discutir a magnificência de Braugher. E, é isto. Eis as razões para ter ficado acordado mais tempo do que devia.
1 comentário:
Eu também apanhei o filme a fazer zapping, mas não dava mesmo para ver até ao fim - tenho sempre o dvd para o ver quando tiver mais tempo. E concordo plenamente quanto a Andre Braugher. Gostava muito de ver o Departamento de Homícidios, que, já agora, era bem repetido (já que se mete no ar séries como "As Bruxas" a horas decentes...).
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